sábado, outubro 30, 2004

200. A PORTA ESPECIOSA 

Um dos meus posts preferidos da blogosfera foi este do Sérgio Rodrigues do "A aba de Heisenberg":

Quarta-feira, Novembro 12
Na Alta de Coimbra, em frente à Porta Especiosa

O Luis da "Natureza do Mal" fez-nos um convite para fazer um roteiro das ruas da Alta e já se lançou na aventura. Eu, que quase nunca vou por onde me mandam ir, comecei um passeio de memória. Mas fiquei parado diante desta porta para o passado e para o presente. Encerrada, entaipada e ligada.
A última vez que a vi despida dos panejamentos e madeiras que a cobrem, já lá vão alguns anos, estava vestida de pombas e plantas selvagens, rodeada de uma caótica corte motorizada. Toquei na pedra húmida que se solta com o contacto dos dedos e tirei fotografias. Para não esquecer.
A suavidade da pedra de Ançã parece querer a sua alma rupestre de volta. Quer tornar-se pó e humidade. Parece exigir que se cumpra um moderno prazo de validade. Com o auxílio dos carros que continuam a ocupar a Sé-Velha, das pombas e da vegetação, mas também das pessoas que não a vêem esboroar-se, de forma envergonhada e silenciosa, debaixo dos panejamentos e dos taipais.
João de Ruão não se importará, pois já teve quase cinco séculos de glória. Pedreiros como Álvaro Gois e Rui Mamede também não, pois têm a glória nas mãos calejadas.
Tarde. Muito tarde. Estão agora a estudar, medir, projectar, lançar concursos. Mas o tempo não pára e quando retirarem os panejamentos e as ligaduras provavelmente só restará uma múmia ressequida. Talvez ainda e sempre rodeada da corte motorizada.


Ontem fui a Coimbra e passei na praça da Sé Velha. A fachada da Sé já está limpa e dourava-a uns fugazes raios de sol por entre as nuvens. Na lateral, onde se encontra a Porta Especiosa, trabalhava-se a bom ritmo. Fiquei feliz. Talvez, Sérgio, talvez ainda se vá a tempo.


sexta-feira, outubro 29, 2004

199. O HIPÓLITO, O XAVIER E OS MEUS FILHOS 

Esta noite, ao jantar (quase ceia!) falámos do filme Xavier, de Manuel Mozos.
O meu filho António disse que o momento do filme que mais o impressionou foi aquele em que o Hipólito e um seu amigo fogem, ao saberem que a polícia se aproximava, e não permitem que Xavier entre no carro e fuja com eles, não deixando assim que fosse implicado em confusões às quais estava alheio.
Se tudo isto é assim tão simples... porque se diz que há filmes difíceis?


sábado, outubro 23, 2004

198. VICTOR SJÖSTRÖM NA CINEMATECA 


Fotografias retiradas de "Making Pictures: A Century of European Cinematography", created by IMAGO, págs 164-165, Aurum Press Ltd, London, 2003

Na Cinemateca decorre uma retrospectiva da obra do cineasta sueco Victor Sjöström (1879-1960). Luís Miguel Oliveira dedicou-lhe um artigo no "Público", o Luís de "A Montanha Mágica" apaixonou-se pel' "O Vento" e por Lillian Gish e eu deixo-vos uma imagem do filme Körkarlen (A Carroça Fantasma) de 1921 e uma foto de Julius Jaenzon, o responsável pela espantosa fotografia deste filme e que dois anos antes assinara a fotografia de "O Tesouro de Arne" de Mauritz Stiller.
Que inveja! Tanta terra me separa da Cinemateca...

terça-feira, outubro 12, 2004

197. COM O GENEROSO ROSTRO ALANCEADO 

Com o generoso rostro alanceado
cheia de pó e sangue a real fronte
chegou à triste barca de Aqueronte
o grão Sebastião, sombra tornado

Vendo o cruel barqueiro que forçado
queria o rei passar, pôs-se defronte,
dizendo: «Pelas águas desta fonte,
nunca passou ninguém desenterrado».

O valoroso rei, com ira comovido,
lhe responde: «Ó falso velho, porventura
não passou ontrem já com força d'ouro?

Pois a um rei banhado em sangue mouro
ousas tu perguntar por sepultura?
Pergunta-o a quem vier menos ferido».


Atribuído a Luís de Camões - terá sido o seu último poema.

António Quadros - Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista, I Volume (O Sebastianismo em Portugal e no Brasil), pág. 57, Guimarães & C.ª Editores, Lisboa, 1982.


sábado, outubro 09, 2004

196. AGOSTINHO DA SILVA 


Fotografia de Rui Ochôa, in Expresso, Abril de 1994

"A literatura portuguesa como a vida portuguesa abrem-se sob o signo do dever de acção e sob o signo da saudade; e esses dois signos marcaram a vida do português para a história, tanto no que respeita à acção externa de Portugal como à sua vida interna. Tudo o que o Português realizou, com todas as imperfeições que são da raça humana, é de jeito missionário. E tudo o que o Português reclamou sempre de todos os governos que sucessivamente tomaram conta do país foi isso mesmo: que lhe dessem o direito de cumprir o seu dever de ser católico: isto é, fraternal e universal"

Agostinho da Silva - Reflexão, pág. 44, Guimarães Editores, Lisboa, s/d [1.ª edição: 1957]

sexta-feira, outubro 08, 2004

195. NÓS NÃO ESTAMOS EM LEILÃO! 

O cineasta António Reis, em 1974, dizia o seguinte a João César Monteiro, a propósito da "erosão" que sofria o nordeste de Portugal, região que seria o tema do seu próximo filme - "Trás-os-Montes":

"(...)Considero um dever histórico - até por respeito para com todos os Nordestes que existem ainda no mundo - chegar a tempo. Perder valores de imaginação, valores poéticos, lúdicos, arquitectónicos, de fauna e de flora, perdermos esse Nordeste, é como perdermos, para sempre, espécies da natureza e, um dia, talvez soframos horrivelmente, ao imaginá-las em álbum, se existirem. Todos ficaremos profundamente pobres. Não me interessaria nada que Portugal tivesse o maior produto nacional bruto do mundo se, amanhã, a autenticidade de províncias como o Nordeste - são digo autenticidade sob o ponto de vista etnográfico ou regionalista - digo, naquilo que representa de valor humano, na civilização, e de valor geográfico, na terra, se perdesse. E não o digo levianamente, porque desde 57 que contacto com o Nordeste. É horrível salvar um capitel românico para pôr num museu. Um capitel era um elemento de uma coluna, a coluna pertencia a um pórtico, o pórtico pertencia a uma catedral, mas isso, com todas as suas instituições, alienações e sonhos, ainda fazia parte de um templo habitado por pessoas. Neste momento em que tudo se homogeneíza, no péssimo sentido, considero gravíssimo que não façamos tudo o que está ao nosso alcance para impedir essa destruição, ainda que seja apenas através de um filme.
(...)Infelizmente, temos todos colaborado nesse embuste. Creio que a erosão do Nordeste, não é só uma erosão de vento e sol e terra que a enxurrada leva, é uma erosão muito mais total, mas começa-se a provar que, por debaixo dessa erosão, há muita coisa que não é erudida e, por cima, muita ave que voa, muito homem que caminha e sonha. O Nordeste está em leilão. Está tudo em leilão, e há coisas que não se podem deixar leiloar, até, para «salvação» dos que vão comprar essas peças para pôr nas suas casas. Nós não estamos em leilão. A nossa responsabilidade não está em leilão. Não ponho isto como lema para toda a gente, mas para mim, é fundamental.
"

(Entrevista de João César Monteiro a António Reis, publicada no Cinéfilo, n.º 29, págs. 23-32, de 20 de Abril de 1974).

Esta erosão sofre-a constantemente a minha aldeia de Vila Deanteira e as outras da freguesia.
É uma sepultura que desaparece debaixo de um aterro (apesar de já ter sido dada a conhecer no jornal da região), uma casa antiga que é descaracterizada (com aprovação camarária), uma alminha que fica debaixo do alcatrão de uma estrada, um antigo fontanário em cantaria que é espatifado, etc.
Nós, de facto, não estamos em leilão.
Mas berramos, berramos... sorriem-nos educadamente, e a erosão segue inexoravelmente...


terça-feira, outubro 05, 2004

194. VINDIMA 

Mãe:
Já só te encontro no meu coração.
Fora dele, é o renovo e a negação
Dos pesadelos.
Enxertam-se os bacelos
Do presente,
E o mesmo alvaralhão tinge a nascente
Que mana dos lagares,
Altares do esquecimento.
E nenhum pensamento
Se detém
A recordar, na embriaguez do mosto,
A doçura das linhas do teu rosto,
Mãe!


S. Martinho de Anta, 2 de Outubro de 1953

Miguel Torga - "Diário VII" (1956), in Poesia Completa, 2.ª Edição, pág. 514, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2002


sábado, outubro 02, 2004

193. "XAVIER", NA 2, ÀS 23H 15MIN 



O filme "Xavier", de Manuel Mozos é exibido na 2 (RTP 2) às 23.15.
Já falámos dele no nosso blogue, aqui e aqui, a propósito da sua estreia nas salas de cinema. A não perder!
E já agora, às 00.45, na RTP 1, "Cinema Paraíso", de Giuseppe Tornatore.
Enfim, uma noite dedicada aos apaixonados pelo cinema.
Espero que o cansaço da faina da vindima não me pregue uma partida.

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