terça-feira, junho 29, 2004

172. ÁRVORES DO ALENTEJO 

Horas mortas... Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido... e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
- Também ando a gritar, morta de sede;
Pedindo a Deus a minha gota de água!


Florbela Espanca - Sonetos, pág. 151, Livraria Bertrand, 1978.


quinta-feira, junho 24, 2004

171. Ó DOCE VIDA DE ALDEIA 

"-Ó doce vida de aldeia! - exclamou por fim Daniel, com amargura.
- Ó sonho dourado dos poetas de geórgicas e idílios, como eu me estou deliciando em ti! Eis a secura quies, os otia in latis fundis e os molles somni, de que fala ao poeta. É isto! Ora eu sempre queria que aquele bom do Virgílio me dissesse o que se há-de fazer no campo a estas horas do dia? Que vida! que vida esta! meu Deus! Que vida e que futuro!
Ao dizer isto, lançou casualmente os olhos para o leito e, como se este lhe desse a resposta do que ele queria perguntar ao cantor de Eneias, deitou-se.
Deitou-se de costas e pôs-se então a contar as tábuas do tecto.
Contou dezassete.
- Dezassete, noves fora, oito - disse insensivelmente Daniel.
Depois reparou que eram oito os vidros da janela, e admirou lá consigo muito esta, na verdade admirável, coincidência.
Um resultado tão curioso animou-o a prosseguir em observações análogas.
Preparava-se agora a contar as cabeças dos pregos, que via pelo tecto, porém, uma mosca importuna, teimando em pousar-lhe na testa, veio perturbá-lo neste ponderoso exame, e obrigou-o a desistir.
Por acaso, fitou então os olhos em uma espécie de mancha escura, que estava na parede fronteira. Ao princípio, olhou-a distraído, mas, pouco a pouco, a atenção empenhara-se naquilo, como se em objecto de grande monta.
A distância não lhe permitia distinguir o que fosse.
- É uma nódoa de humidade decerto - disse Daniel consigo - ou não... é um insecto talvez... Mas não se move?... Seja o que for...
E desviou os olhos.
Daí a pouco estava outra vez a olhar para lá.
- É um insecto, é... mas tão imóvel!...
Não pôde deixar de soprar-lhe, ainda que sem probabilidade alguma de o atingir, pela distância a que lhe ficava.
A mancha negra não se moveu.
- Não é insecto - pensou Daniel
E outra vez retirou a vista daquele ponto, para, passados instantes, a levar de novo lá.
- Mas a forma é de insecto... (...)
"

Júlio Dinis - As Pupilas do Senhor Reitor, págs. 152-153, Porto Editora, s/d.


terça-feira, junho 22, 2004

170. LIANOR PELA VERDURA  

Descalça vai para a fonte
Lianor pela verdura:
Vai fermosa e não segura
.

Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamalote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.
Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro o trançado,
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura.


Luís de Camões

Notas - Escarlata: tecido de cor vermelha muito viva; Chamalote: tecido de lã de camelo; Vasquinha: saia pregueada; De cote: de uso diário; Trançado: fita de cabelo; Não segura: frágil.

Bem-vinda à família, Leonor. Os teus olhos abriram-se de espanto para um Portugal ansioso. Poucos minutos depois o povo a que pertences explodiu de alegria. Que os teus dias sejam sempre dias de felicidade são os votos do pessoal cá de casa!


domingo, junho 20, 2004

169. NO SILÊNCIO DA NOITE 



Vejo "Um Adeus Português" de João Botelho. É um dos meus filmes de culto.
Hoje, por razões que não são para aqui chamadas, apeteceu-me voltar a vê-lo.
O dia foi cansativo. O ar fresco convidava ao trabalho no campo. E assim o fizemos desde manhãzinha.
Os mais novos cá de casa já dormem... Nestas alturas nunca me dá o sono... e eu regalado!
«Diz-me que não tens dinheiro, diz?». «Não tenho dinheiro!» (...) «Baixa a música!...»
Fiquem bem.

sexta-feira, junho 18, 2004

168. A OBRA DE ARTE NA ERA DA SUA REPRODUÇÃO  





Em 1964, A Dança original de Jean-Baptiste Carpeaux, que se encontrava na fachada da Ópera de Paris, foi desmontada a fim de ser salva da degradação total provocada pelas intempéries e pela poluição (fotos 1, 2 e 3), e actualmente encontra-se no Museu d'Orsay. Foi feita uma cópia (fotos 4 e 5) pelo escultor Paul Belmondo e é essa cópia que agora admiramos na fachada da Ópera.

Fotos e informação retirada de um fabuloso livro sobre escultura intitulado "La Sculture - méthode et vocabulaire", coord. de Marie-Thérèse Baudry, Imprimerie nationale, Paris, 1978.

sábado, junho 12, 2004

167. VIVA PORTUGAL 



Há pouco, ao fim da tarde, vi n' a dois o programa 2010.
O destaque foi, mais uma vez, para os exemplos de excelência da participação portuguesa nas áreas da ciência e tecnologia.
Esta gente deixa-me orgulhoso de ser português e obriga-me a trabalhar mais um bocadinho na tentativa de os imitar.
Têm razão os meus filhos em quererem a bandeira portuguesa hasteada no varadim da nossa casa.

P.S. Peço desculpa pela má definição da imagem da bandeira que aqui coloquei, mas tenho o meu scanner avariado e esta é do site da Presidência da República.

quinta-feira, junho 10, 2004

166. NO DIA DE CAMÕES 



A fermosura desta fresca serra
E a sombra dos verdes castanheiros,
O manso caminhar destes ribeiros,
Donde toda a tristeza se desterra;

O rouco som do mar, a estranha terra,
O esconder do Sol pelos outeiros,
O recolher dos gados derradeiros,
Das nuvens pelo ar a branda guerra;

Enfim, tudo o que a rara Natureza
Com tanta variedade nos oferece,
Me está, se não te vejo, magoando.

Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
Sem ti, perpetuamente estou passando
Nas mores alegrias mor tristeza.

Lord Beckford disse que Bocage lhe recitou este poema, dizendo, comovido de entusiasmo: «Foi este soneto que me fez poeta».
Sobre a vida e a obra de Camões ver Instituto Camões.


quarta-feira, junho 09, 2004

165. ARMAS REAIS 



A este brasão o povo de S. João de Areias chama "armas reais".
À casa onde se encontra, um bonito edifício da segunda metade do século XVIII, chama a "Casa das Armas Reais".
A memória do povo não conservou o nome de quem a mandou edificar.
No entanto, o brasão parece não querer deixar apagar essa memória.
É uma elegante pedra de armas, rococó, com escudo esquartelado com as armas dos Cabrais, dos Silveiras, dos Cardosos e dos Melos e com coroa de marquês.
Ora, na segunda metade do século XVIII vivia em S. João de Areias, António de Melo Cabral Cardoso da Silveira, filho de Francisco da Silveira de Eça Cardoso e Melo (ou "de Melo e Távora") e de Feliciana Maria Rozeuma de Brito.
Foi baptizado a 10 de Julho de 1731 e casou a 26 de Agosto de 1788 com D.ª Úrsula Maria Rita Trigueiros.
Era Fidalgo da Casa Real e ocupou o cargo de Juiz Ordinário e das Sisas em 1782 e em 1800, de Sargento-mor das Ordenanças de S. João de Areias e, na segunda década do século XIX, foi um dos eleitos das obras de recuperação da Igreja Matriz.
É a ele que, com toda a certeza, se deverá a edificação da casa das "Armas Reais" e é dele o brasão que se exibe orgulhosamente na casa.

Ofereço este brasão ao Alex do Blog do Alex para o seu "Catálogo de Brasões de Armas".

terça-feira, junho 08, 2004

164. FANTASIA DO ANOITECER - Hölderlin 

Frente à choupana tranquilo na sombra está sentado
O lavrador; fumega a lareira ao homem frugal.
Hospitaleiro soa ao caminhante na aldeia
Pacífica o sino da tarde.

Talvez voltem agora também os barqueiros ao porto,
Em cidades longínquas morre alegre o rumor
Afanoso da feira; em tranquila ramada
Brilha o banquete em convívio aos amigos.

Para onde irei eu? Vivem os mortais
De soldo e trabalho; alternando em fadiga e repouso
Tudo se alegra; porque não dorme então
Nunca em meu peito o espinho?

No céu da tarde floresce toda uma primavera;
Incontáveis florescem as rosas, e tranquilo aparece
O mundo áureo; oh! levai-me pra lá,
Nuvens purpúreas! e que lá em cima

Em luz e ar se dissolvam meu amor e dor!-
Mas, como corrido da súplica louca, foge
O encanto; faz-se escuro, e solitário
Sob o céu, como sempre, me encontro.-

Vem tu agora, sono suave! demasiado cobiça
O coração; mas ao fim, juventude, também tu amorteces,
Sonhadora, inquieta!
Serena e pacífica é então a velhice.


Hölderlin - Poemas - Prefácio, selecção e tradução de Paulo Quintela, págs. 132-135 (inclui o poema original em alemão), Relógio d'Água, Lisboa, 1991.


domingo, junho 06, 2004

163. CONCERTO DA FILARMÓNICA 



Há pouco na Casa da Cultura.
Já há algum tempo que não via nem ouvia a Filarmónica.
Surpreendeu-me pela grande juventude dos seus executantes.
Mas... onde estão os músicos antigos? Rostos que eram o rosto da Filarmónica.
Uma banda só com juventude constitui um pau de dois bicos. É a meu ver um grande risco...
O concerto, no entanto, foi bom. Destaque para o solo do trompetista.
A nossa Filarmónica é o grande traço de união entre as pessoas da freguesia de S. João de Areias.

162. FILARMÓNICA DE S. JOÃO DE AREIAS NA CASA DA CULTURA 

Hoje, às 15 h e 30 minutos, a Sociedade Filarmónica Fraternidade de S. João de Areias actuará na Casa da Cultura de Santa Comba Dão, encerrando a iniciativa "Concertos de Primavera".
Os "Concertos de Primavera", em número de três e decorrendo em três domingos consecutivos, iniciaram-se com a actuação da Filarmónica de Santa Comba Dão, a que se seguiu a Filarmónica Lealdade Pinheirense e hoje é a vez da nossa.

«A Sociedade Filarmónica Fraternidade de S. João de Areias foi criada em 1875, segundo as memórias dos seus músicos mais antigos. O seu fundador foi António Augusto dos Santos Macário, natural de Molelos (Tondela), então funcionário da Câmara Municipal desta vila, e um entusiasta pela causa da música. Havia frequentado o curso do Conservatório de Música em Coimbra.
Uma vez a residir em S. João de Areias, onde sua mulher fora colocada como chefe dos correios, o Sr. António Augusto desenvolveu o gosto pela música na população local ao formar uma banda com um grupo de rapazes habilidosos que já demonstravam aptidão para a música.
Segundo fonte oral: "Anos antes da fundação da filarmónica já seis rapazes começaram a aprender música. O Sr. António Augusto encontrou aquela meia dúzia de rapazes com habilidade, agarrou neles e arranjou logo doze a tocarem às missas"(informação de um músico antigo).
Entre os primeiros músicos existiam fortes laços de parentesco, o que não é de estranhar visto tratar-se de uma comunidade rural.
Em termos profissionais predominavam os artesãos.
Por curiosidade passo a identificar esses músicos, sua profissão e instrumento tocado: António Augusto dos Santos Macário - funcionário da C. M - fundador e regente; Alexandrino Correia Neves - carpinteiro - cornetim; Antonino Correia Neves - feitor - contrabaixo; António Simões - sapateiro - saxofone soprano; Augusto Rodrigues - artesão (fabrico de bonecos, etc) - trompa; Francisco Simões - sapateiro e comerciante de vinhos -?; João Correia Neves - carpinteiro - cornetim; José Correia Neves - carpinteiro - clarinete; José Miranda - 1.º carteiro da terra - clarinete; Nicolau Cordeiro - proprietário - contrabaixo. Não foi possível identificar os dois restantes músicos. O meu informante apenas recorda que eram chamados de "os cucos"
».


Maria da Assunção Viana de Siqueira - Sociedade Filarmónica Fraternidade de S. João de Areias - Trabalho de Investigação elaborado no âmbito do Seminário de Investigação, 4.º Ano da Licenciatura em Antropologia, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 1996/1997.

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