sábado, janeiro 31, 2004

107. MEU SER EVAPOREI NA LIDA INSANA 



Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel de paixões, que me arrastava;
Ah!, cego eu cria, ah!, mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana.

De que inúmeros sóis a mente ufana
Existência falaz me não doirava!
Mas eis sucumbe a Natureza escrava
Ao mal que a vida em sua orgia dana.

Prazeres, sócios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.

Deus, ó Deus!... Quando a morte à luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube.


Manuel Maria Barbosa du Bocage - "Sonetos", pág. 212, Editores Associados, s/d; prefácio, preparação do texto e notas de Hernâni Cidade.

Sobre Bocage ver aqui, aqui e aqui.

sexta-feira, janeiro 30, 2004

106. RETRATO 



Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,

Eis Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento


Manuel Maria Barbosa du Bocage - "Sonetos", pág. 47, Editores Associados, s/d; prefácio, preparação do texto e notas de Hernâni Cidade.


quinta-feira, janeiro 29, 2004

105. BRANCUSI E A ESSÊNCIA DAS COISAS 


Constantin Brancusi - Sleeping Muse 1909-10 - Hirschhorn Museum and Sculpture
© ADAGR, Paris and DACS, London 2004


Constantini Brancusi (1876-1957) - "The essence of things" - Tate Modern

segunda-feira, janeiro 26, 2004

104. E A MORTE PERDERÁ O SEU DOMÍNIO 

AND DEATH SHALL HAVE NO DOMINION

And death shall have no dominion.
Dead men naked they shall be one
With the man in the wind and the west moon;
When their bones are picked clean and the clean bones gone,
They shall have stars at elbow and foot;
Though they go mad they shall be sane,
Though they sink though the sea they shall rise again;
Though lovers be lost love shall not;
And death shall have no dominion.


E A MORTE PERDERÁ O SEU DOMÍNIO

E a morte perderá o seu domínio.
Nus, os homens mortos irão confundir-se
com o homem no vento e na lua do poente;
quando, descarnados e limpos, desaparecerem os ossos
hão-de nos seus braços e pés brilhar as estrelas.
Mesmo que se tornem loucos permanecerá o espírito lúcido;
mesmo que sejam submersos pelo mar, eles hão-de ressurgir;
mesmo que os amantes se percam, continuará o amor;
e a morte perderá o seu domínio.

Dylan Thomas - "A Mão ao Assinar Este Papel", 2.ª edição, pág. 38-39, Assírio & Alvim, Lisboa, 1998; trad. de Fernando Guimarães.
(Texto passado para o computador pelos meus filhos Sara e António)


103. SENTIR... (Actualizado) 

Sentir, sentimos... mas não somos capaz de o exprimir assim ou assim!
Há pessoas que não tiveram aquilo que mereciam. Por isso nos angustiamos...

sábado, janeiro 24, 2004

102. OBRIGADO EUGÉNIO DE ANDRADE 

Canção

Tinha um cravo no meu balcão;
veio um rapaz e pediu-mo,
- mãe, dou-lho ou não?

Sentada, bordava um lenço de mão;
veio um rapaz e pediu-mo,
- mãe, dou-lho ou não?
 
Dei um cravo e dei um lenço,
só não dei o coração;
mas se o rapaz mo pedir,
- mãe, dou-lho ou não?


Eugénio de Andrade, in "Boletim Cultural da F. C. Gulbenkian", VI Série, N.º 3, pág. 33 - Novembro de 1984.
(Escolha de Sara Neves, 10 anos)


sexta-feira, janeiro 23, 2004

101. A GREVE E OS MEUS FILHOS 

Na escola dos meus filhos o 1.º e o 4.º ano tiveram aulas, o 2.º e o 3.º não.
Um dos professores fez greve, o outro não.
Hoje à noite, à lareira, falámos sobre greves.
Explicámos aos nosso filhos que os professores que dão aulas em dia de greve não o fazem porque têm a matéria em atraso ou porque se faltarem complicam a vida aos pais dos seus alunos.
Não fazem greve porque não estão de acordo com a luta que os seus colegas estão a empreender.
Explicámos, ao calor da lareira, que o direito à greve foi duramente conquistado pelos trabalhadores e que, quando estes se unem numa ampla manifestação de descontentamento, a greve transforma-se num acto solene e de grande respeito.
Não queremos que os nossos filhos cresçam gelatinosos e egoístas, mas com voz e solidários.

quinta-feira, janeiro 22, 2004

100. HERDEI TRÊS LIVROS 

O meu pai deixou-me o "Dicionário de Língua Portuguesa" de Francisco Torrinha, numa edição de 1932.
A minha mãe deixou-me "A Morgadinha dos Canaviais" de Júlio Dinis e o "John, Chauffeur Russo" de Max du Veuzit.
O dicionário ainda o utilizei durante alguns anos.
Os romances li-os e reli-os: "Ao cair de uma tarde de Dezembro, de sincero e genuíno Dezembro, chuvoso, frio, açoutado do sul e sem contrafeitos sorrisos de primavera..." e "No pátio lajeado de um grande palácio da Avenida Marceau, em Paris, estava parado um luxuoso auto, de cor sóbria e linha impecável...".
Os meus filhos vão herdar as paredes que me envolvem cheias dos livros que tenho vindo a comprar. Todos foram namorados antes de virem cá para casa.
Por cada "amigo" que acrescentava à minha biblioteca pensava: - Que sorte vão ter os meus filhos! Já possuirem à nascença todas estas preciosidades!
Mas agora já não tenho a certeza de que é mesmo assim...
A minha filha prefere "os seus livros"! Os que lhe oferecem e os que ela compra com as suas economias.
Mas eu até tenho uma belíssima colecção de livros infantis... Nem ainda os tentou ler!
Quantos livros afinal, de facto, lhe deixarei? A ver vamos.

quarta-feira, janeiro 21, 2004

099. O EUSÉBIOZINHO 

« - E olhe que o Custódio teve desgosto, sr. Vilaça. Que o Carlinhos, coitadinho, nem uma palavra sabe de doutrina... (...)
D. Ana depois de bocejar de leve, retomou a sua ideia:
- Sem contar que o pequeno está muito atrasado. A não ser um bocado de inglês, não sabe nada... Não tem prenda nenhuma!
- Mas é muito esperto, minha rica senhora! - acudiu Vilaça.
- É possível - respondeu secamente a inteligente Silveira.
E, voltando-se para Eusébiozinho, que se conservava ao lado dela, quieto como se fosse de gesso:
-Ó filho, diz tu aqui ao sr. Vilaça aqueles lindos versos que sabes... Não sejas atado, anda!... Vá, Eusébio, filho, sê bonito...
Mas o menino, molengão e tristonho, não se descolava das saias da titi: teve ela de o pôr de pé, ampará-lo, para que o tenro prodígio não aluísse sobre as perninhas flácidas: e a mamã prometeu-lhe que, se dissesse os versinhos, dormia essa noite com ela...
Isto decidiu-o: abriu a boca, e como de uma torneira lassa veio de lá escorrendo, num fio de voz, um recitativo lento e babujado:

É noite, o astro saudoso
Rompe a custo um plúmbeo céu,
Tolda-lhe o rosto formoso
Alvacento, húmido véu...


Disse-a toda - sem se mexer, com as mãozinhas pendentes, os olhos mortiços pregados na titi. A mamã fazia o compasso com a agulha do crochet; e a viscondessa, pouco a pouco, com um sorriso de quebranto, banhada no langor da melopeia, ia cerrando as pálpebras.
- Muito bem, muito bem! - exclamou o Vilaça, impressionado, quando o Eusébiozinho findou coberto de suor. - Que memória! Que memória!... É um prodígio!...
».

Eça de Queiroz - "Os Maias", págs. 75-76, Edição "Livros do Brasil", Lisboa


sábado, janeiro 17, 2004

098. HISTÓRIA DE GATOS 

O texto de Língua Portuguesa para trabalho de fim-de-semana é sobre um gato malandro. A história é engraçada e por isso aqui a deixo:

História de gatos

Eu tinha um gato malhado
Que era muito malcriado.
Se lhe dizia "bom dia"
Ele nem respondia.
Se o mandava caçar,
Deitava-se a ressonar.
Se o mandava à escola,
Ele ia jogar à bola
Se o mandava pescar,
até fugia do mar.
Aquele gato malhado
Não me fazia recado,
Era só vê-lo miar
E dormir ou arranhar.

Deitei-o pela janela.

Entrou-me o gato por ela
Mais uma gata amarela
E os doze filhos dela.
Sentaram-se à minha mesa,
Comeram-me a sobremesa,
Dormiram no meu colchão,
Rasgaram o meu roupão
E dentro dos meus sapatos
Fizeram xixi os gatos.

Para ficar sossegado
Fui viver para o telhado.


Luísa Ducla Soares - Arca de Noé, Livros Horizonte
(Escolha de Sara Neves, 9 anos)


sexta-feira, janeiro 16, 2004

097. NOS CANTOS DO PATRIMÓNIO 

"Nos Cantos do Património" é uma secção do jornal "O Interior" dedicada à arqueologia.
Já me referi a "O Interior" no post 051. É um semanário singular que se publica na Guarda. As suas crónicas semanais sobre arqueologia são uma dessas singularidades e, com certeza, caso único no jornalismo português.
A responsabilidade de "Nos Cantos do Património" é dos arqueólogos Vitor Pereira, Manuel Sabino Perestrelo e Marcos Osório.
Dá-me um gosto imenso lê-los. A sua escrita é simples e de uma clareza própria dos que amam a sua profissão. As crónicas partem de um assunto específico da região e rapidamente se tranformam em breves sínteses do conhecimento actual sobre esse assunto.
É urgente a publicação destas crónicas, adequadamente organizadas. Muito ganharia a região da Guarda e todos nós que andamos a guardar os recortes do jornal.
O próprio jornal "O Interior" deveria liderar essa publicação, naturalmente com o apoio de entidades locais. Seria mais uma singularidade...

Aqui fica a última crónica: Sítios Romanos (ver na secção "Opinião").

quinta-feira, janeiro 15, 2004

096. A "TREBARUNA" 

"Trebaruna! Não há nos idiomas da terra
Nome de mais poesia ou de maior encanto:
Dá-nos prazer na paz e vitória na guerra...
Bem haja o teu influxo omnipotente e santo!

Eu fiz-te renascer, eu dei-te vida nova!
Quando pois eu dormir p´ra sempre, tu hás-de ir,
Linda deusa beirã, guardar a minha cova,
Embalar o meu sono, a cantar e a sorrir...
"

J. Leite de Vasconcelos

José Leite de Vasconcellos (1878-1941) nasceu na vila de Ucanha, Lamego. Formou-se em Ciências Naturais e Medicina. Filólogo, arqueólogo e etnólogo, entre os seus 1243 títulos destacam-se "Etnografia Portuguesa " e "Religiões da Lusitânia". No dizer de Orlando Ribeiro "foi não só a maior figura científica de Portugal mas um grande espírito europeu".
"Trebaruna" é uma deusa dos Lusitanos que segundo Leite de Vasconcelos terá correspondido no tempo dos romanos, por sincretismo, à deusa Victoria. O Prof. A. Coelho da Silva, na tríade funcional de deuses da soberania, da força e da fecundidade, enquadra Trebaruna na primeira função - soberania - e identifica-a com a Serra da Estrela. Ainda hoje esta serra se nos impõe, majestosa, coberta de neve, com largas manchas de luz e de sombra, ao longe, mas sempre presente.


quarta-feira, janeiro 14, 2004

095. PARTIDAS DO FREE-HOST 

As minhas imagens alojadas no Free-Host não abrem. Não sei o que se passa. Espero que este problema seja ultrapassado em breve ou terei de arranjar outro serviço de alojamento de imagens. É aborrecido...

sábado, janeiro 10, 2004

094. A MINHA BLOGOSFERA ESTÁ MAIS RICA 

Sempre desejei ter uma blogosfera reduzida. Desisto... Hoje adicionei (adicionámos, melhor dizendo, eu e a minha filha) o Almocreve das Petas, A Oeste, Blog far niente, Classe Média, Miniscente, Ozono, Silêncio, Fonte da Saudade, Diário da Inês, Manifesto-me e Provérbios. Cada um à sua maneira é uma preciosidade. Obrigado a todos!

sexta-feira, janeiro 09, 2004

093. "LAVA" DE NUNO VIEGAS 


"O Lenhador", 2003 - tinta plástica, acrílico, tinta preta,
cola de madeira, verniz e caneta de feltro sobre tela. 220x180 cm


Num dos dias que estive em Lisboa fui ao Centro Cultural de Belém ver a exposição "Lava" de Nuno Viegas, na Galeria Arte Periférica.
O Nuno Viegas é um jovem pintor beirão, nascido em Almeida e que frequenta o 5.º ano do Curso de Artes Plásticas-Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
Até há pouco tempo não tinha conhecimento da sua existência. Vi um fragmento de uma reportagem que uma das nossas televisões dedicou à sua exposição. No momento em que liguei a televisão o Nuno pintava um quadro. Fiquei fascinado!
Rapidamente me apercebi que aquilo que para muitos artistas é um trabalho penoso de uma vida, brotava do Nuno com uma simplicidade confrangedora. O Nuno possui uma capacidade de desenho poderosíssima aliada a uma riqueza de colorido invulgar nos artistas portugueses.
O seu trabalho lembra de facto a lava a ser expelida de um vulcão. O artista no texto que acompanha a exposição diz que a lava "é a matéria fervente, imensamente rica, que a todo o momento pode ser cuspida em jactos de fúria, arrastando, ou por outra, reconstruindo a superfície das coisas que conhecemos".
Não me incomoda nada, desde já, colocá-lo perto de alguns artista que muito admiro como Júlio Pomar, Paula Rego, Pedro Cabrita Reis, Alberto Carneiro, José Pedro Croft... eu sei que é preciso dar tempo ao tempo, mas apetece-me falar do Nuno Viegas deste modo.

"Lava" de Nuno Viegas, Galeria Arte Periférica

terça-feira, janeiro 06, 2004

092. CAPELAS INTERROMPIDAS AO ABANDONO... 


Capelas Interrompidas - foto IPPAR

Há tempos visitámos as Capelas Interrompidas (ditas Imperfeitas) do Mosteiro da Batalha num dia de chuva.
As capelas não possuem uma cobertura e portanto chovia lá como na rua. Senti-me revoltado... e por isso compreendo muito bem o Rui Curado Silva do blogue Klepsýdra.
Aliás o Mosteiro da Batalha é vítima de uma irritante falta de gosto de quem o dirige. Basta vermos as condições miseráveis em que se encontra exposto o apostolado e outros elementos decorativos originais, verdadeiras preciosidades, que foram retirados do portal principal.

segunda-feira, janeiro 05, 2004

091. OS REIS MAGOS 

THE MAGI

Now as at all times I can see in the mind´s eye,
In their stiff, painted clothes, the pale unsatisfied ones
Appear and disappear in blue depth of the sky
With all their ancient faces like rain-beaten stones,
And all their helms of silver hovering side by side,
And all their eyes still fixed, hoping to find once more,
Being by Calvary´s turbulence unsatisfied,
The uncontrollable mystery on the bestial floor.


OS REIS MAGOS

Agora, como sempre, à mente, ao seu olhar,
Pálidos, insatisfeitos, revelam-se em suas espessas, coloridas vestes,
Aparecem e desaparecem no azul profundo dos céus
Os rostos antigos como pedras golpeadas pela chuva,
Lado a lado com os elmos de prata ondeando,
Os olhos ainda fixos, à espera de encontrar de novo,
Perturbados com o tormentoso Calvário,
O incontrolável mistério sobre o chão bestial.

W. B. Yeats - "Poemas", 1.ª edição, pág. 40-41, Assírio & Alvim, Lisboa, 1988; trad. de José Agostinho Baptista.
(Texto passado para o computador pela Sara e pelo António)


domingo, janeiro 04, 2004

090. DA MINHA JANELA... PARA O MUNDO 




Especialmente dedicado a quem nos visita em França, na Alemanha, na Suíça, no Brasil, na Argentina, nos E.U.A., no Canadá...
Voltem logo que possam... a nossa terra precisa de todos vós.
É triste a procissão percorrer ruas de casas vazias e algumas mesmo em ruína!

sábado, janeiro 03, 2004

089. AMANHÃ É A FESTA DE S. SILVESTRE 

O dia do nosso padroeiro S. Silvestre é a 31 de Dezembro. No entanto, aqui na minha terra a sua festa faz-se sempre no Domingo seguinte.
É amanhã. E eu já estou na minha terra. A capela está limpa e enfeitada. Os santos estão nos andores engalanados. As ruas por onde vai passar a procissão também já foram cuidadosamente limpas de ervas, varridas e lavadas.
A procissão vai percorrer toda a aldeia. O meu amigo S. Silvestre com os seus quase 500 anos (ver post 027) vai ficar em casa. É uma preciosidade, não deve correr riscos; sai em procissão uma outra imagem de S. Silvestre.
É claro que eu apoio em absoluto esta opção.
Mas... custa-me não ver passar junto à minha janela o nosso velhinho S. Silvestre levado em ombros pelos homens da terra.
É claro que se ele cá passasse este ano, mais uma vez me diria: - Malandro, preguiçoso... nunca mais acabas de fazer as juntas das pedras... que te comprometeste em fazer a quando do restauro da tua casa!
Assim, pensando melhor, até fico satisfeito por este ano ele não me poder envergonhar.

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